Essa banda é aquela que confirma que toda regra tem uma exceção: em plena virada da década de 70 pra de 80, quando todas as maiores bandas de rock progressivo encontravam-se em processo de decadência, surgiu
Anyone's Daughter, com um discaço de estréia, '
Adonis'.
Era o ano de 1979 e
Harald Bareth (vocais e baixo),
Uwe Karpa (guitarras),
Matthias Ulmer (teclados e vocais) e
Kono Konopik (bateria) já vinham ralando desde '72, fazendo shows em pequenos lugares ou abrindo para bandas maiores. Aos poucos foram amadurecendo seu processo de composição e arranjos, tentando encontrar o seu próprio som, trazendo em sua bagagem influências das principais bandas progressivas, sejam elas alemãs, como
Eloy ou
Grobschnitt, inglesas, como
Camel ou
Yes, como também de outras nacionalidades, como
Focus,
Kayak,
PFM ou
Atoll. Mesmo te
ndo lançado seus principais discos no início da década de 80, eles conseguiram se livrar do rótulo 'neo-progressivo', não só por estarem na ativa por mais tempo, mas também por sua proposta musical não ser compatível com o que se convencionou relacionar a este subgênero.
As contradições envolvendo a banda não param por aí. Em seu segundo disco, auto-intitulado, eles trazem músicas com arranjos um pouco mais simples, com um levíssimo apelo pop, mas sem deixar de lado o lado mais complexo inerente ao gênero. Nessa época já tinham alcançado sucesso e fama pela
Europa, inclusive tendo excursionado com
Alexis Korner, que virou grande fã da banda. Eles poderiam, mas não se acomodaram e surpreenderam tanto o público quanto
a crítica quando lançaram '
Piktors Verwandlungen'
*, um disco conceitual, baseado na obra homônima de
Hermann Hesse, onde não há sequer uma música cantada (somente declamações do conto), nem pausas entre as faixas; além de ser um disco gravado ao vivo, sem overdubs. Qual artista, em sã consciência, no auge de seu sucesso, dá uma guinada desse tipo em sua carreira? Isso vai contra todas as teorias malucas de gravadoras, críticos e afins; porém todas essas teorias não levam em conta o quanto de credibilidade um artista consegue somente por trazer ao mundo uma idéia original bem executada.
No disco seguinte as contradições continuaram... Em vez de seguir a linha mais experimental do disco anterior, '
In Blau' é bem parecido com o disco de 1980, com músicas em formato similar, com a já consagrada marca da banda; mas dessa vez todas as músicas são cantadas na língua germânica, numa atitude de quase desdém pela indústria e pelo mercado mundial – assim, mais uma vez, eles demonstram sua forte personalidade e a qualidade de sempre nas composições e arranjos. O disco ainda traz a primeira mudança na formação da banda, já que o baterista
Kono Konopik os deixou por motivos pessoais e foi substituído por
Peter Schmidt.
O
Anyone's Daughter continuou em ótima forma e em 1983 lançaram '
Neue Sterne', o disco deles com maior apelo pop, talvez finalmente cedendo às pressões da gravadora; porém com canções de surpreendente qualidade e novamente com todas as letras em alemão. Logo no ano seguinte lançaram seu primeiro disco ao vivo, batizado simplesmente como '
Live', gravado durante a turnê de '
Neue Sterne'. Nesta turnê uma série de motivos levou a banda a se separar: problemas familiares, pressões da gravadora, desgaste de relacionamento entre os próprios músicos e com a equipe, entre outras questões particulares, o que ocasionou o fim da banda, bem ao seu estilo: contraditoriamente, no auge do sucesso.
Depois da separação,
Uwe Karpa e
Matthias Ulmer convocaram
Michale Braun (vocais e teclados),
Andi Kemmer (baixo) e
Goetz Steeger (bateria e vocais) para tentar dar prosseguimento à banda, mas o projeto naufragou antes mesmo de sair do porto e o pouco que produziram nesse período foram as cinco primeiras músicas do disco '
Last Tracks', de 1986, que ainda traz um biscoito finíssimo: 4 músicas de uma demo de 1977 que, apesar da baixa qualidade de áudio, mostra todo o potencial do que a banda viria ser no futuro, com ótimas composições.
O tempo passou e graças ao interesse de outras gerações a música progressiva teve um tipo de revival na virada do século. Várias bandas voltaram às atividades e, então, depois de 14 anos,
Karpa e
Ulmer aproveitaram a oportunidade para reviver os velhos tempos; logo reformularam a banda, porém com uma proposta bastante diversa do passado. Em
2001 lançaram '
Danger World' com
André Carswell (vocais),
Raoul Walton (baixo) e
Peter Kumpf (bateria), fazendo um som que mescla fusion, prog e hard rock, e se apresentaram por vários países, tocando tanto o novo material quanto alguns de seus antigos sucessos. Aproveitando a volta, foram lançados também, em 2001 e 2003, dois discos com antigos registros ao vivo. Em 2004 lançaram '
Wrong', que, como o anterior, nem de longe parece o
Anyone's Daughter dos velhos tempos, porém como a contradição é praticamente uma marca registrada da banda, se esquecermos o nome da banda e ouvirmos o disco sem preconceitos, sem idéias pré-concebidas e sem esperar pelo prog que os eternizou, até que o disco também é muito bom, muito acima da média dos auto-clichês que várias bandas de prog se tornaram. Finalmente, em 2006 lançaram um disco ao vivo que registra um momento especial da banda, com a formação de trio, com
Ulme,
Karpa e
Carswell, que foi chamado simplesmente ‘
Trio Tour’.
Não sei bem se eles continuam na ativa, mas espero que sim, como também espero que eles continuem a nos surpreender – quem sabe no ano que vem eles lancem um disco com o rock progressivo mais puro, com a participação de todos os outros músicos que já deram suas contribuições à banda, quem sabe?... rsrs
Estou disponibilizando aqui a discografia completa da banda, com exceção
do disco que lançaram em formato de trio, já que não o achei em lugar
nenhum; a maioria tem encartes completos. O disco “
Adonis” teve uma
edição especial em que a faixa principal, dividida em 4 partes, foi
editada desta forma, em vez de um único arquivo, além de trazer, também,
mais duas faixas extras (“
The Taker” e “
The Warship”) – as duas versões
estão aqui.
Para finalizar, uma pequena nota
pessoal: para continuar o quesito 'contradições', eu, que não sou muito
fã de discos ao vivo, como todos já devem saber, tenho entre os meus
preferidos do gênero dois do
AD: '
Piktors Verwandlungen', não só por ser também um disco de inéditas, mas pela altíssima qualidade do material, e '
Live',
onde eles mostram que em seus shows a improvisação também tem vez e que
sabiam aliar momentos de leveza a momentos de puro vigor.
Esta postagem foi feita originalmente em 15 de dezembro de 2008, sob o título “
A Exceção da Regra”,
quando eu ainda não tinha a discografia completa; desta forma, já que
estou re-upando vários links que foram deletados durante todo esse
processo (a queda do
Sharebee há algum tempo e, mais recentemente, do
MultiUpload) resolvi refazer a coisa toda, só pra tudo ficar um pouco
mais organizado. No mais, carissississsississíssimos amigos,
freqüentadores anônimos e visitantes em geral, só há mais duas coisas a
serem ditas: divirtam-se e comentem!
ProgArchives
Wikipedia
Links (5kb) –
Mirror Creator
* ‘
Piktors Verwandlungen’ é um conto de
Hermann Hesse, ilustrado pelo próprio que, além de escritor, também se dedicava à pintura de aquarelas.